sexta-feira, junho 01, 2007

Geologia Marinha: uma pouco de história e outras coisas (Parte 1)

Os Oceanos ocupam 71% da superfície do Planeta, com uma profundidade média de 3,86 quilómetros, sendo que 60% do total da superfície terrestre é ocupada por zonas com profundidades superiores a 1,6 quilómetros. Actualmente a Humanidade conhece a superfície de Marte com maior resolução que os leitos marinhos terrestres. Este facto deve-se essencialmente a dificuldades de ordem técnica inerentes à exploração dos ambientes marinhos profundos. As ondas electromagnéticas dissipam-se rapidamente em meios aquosos e raramente penetram mais de 200 metros na coluna de água. Deste modo o fundo marinho é invisível aos métodos de detecção que fazem uso da radiação electromagnética. No entanto, o desenvolvimento de sistemas de sondagem de fundo empregando energia acústica permitiu, nos meados do século passado, iniciar um estudo detalhado e sistemático dos oceanos e do substrato adjacente.

Figura 1 (veio daqui):

Segundo Robert Kunzing (1999), os humanos podem ter explorado talvez um milionésimo ou um bilionésimo da área total ocupada pelos oceanos. Calcula-se que actualmente se conheça menos de 1% das áreas localizadas sob os taludes continentais. Nos últimos anos, o pouco que tem sido explorado mudou radicalmente a visão que os cientistas tinham das Ciências da Terra e da Vida. As novas descobertas permitiram que a teoria da Tectónica de Placas se desenvolvesse, encontrou-se vida onde nunca se pensou existir, mas acima de tudo percebeu-se o quanto estes processos estavam relacionados entre si. O nascimento da Tectónica é considerada a maior revolução na área das Ciências da Terra desde a fundação da geologia moderna por James Hutton, comparável ao nascimento da Genética na Biologia, e só foi possível após a recolha de dados geológicos nas áreas oceânicas através de técnicas desenvolvidas depois de 1950. A especificidade de alguns fenómenos geológicos ocorrentes no meio marinhos, assim como a utilização de técnicas específicas na exploração da crusta imersa, levou ao aparecimento de uma nova disciplina, a Geologia Marinha.

Na década de 1830, o naturalista inglês Edward Forbes, após ter estudado com algum detalhe o fundo do Oceano Atlântico e do Mar Mediterrâneo, afirmou não existir vida abaixo dos 600 metros. Sem luz e com pressões tão elevadas não era razoável a existência de vida a tais profundidades. Em 1977, mais de um século depois, foi feita uma das mais importantes descobertas científicas do século XX. Nesse ano um submarino designado de Alvin[1] (ver figura 3), do Woods Hole Oceanographic Insitution do Massachusetts, descobriu densas colónias de grandes organismos, alguns com mais de três metros, coabitando junto de fontes hidrotermais localizadas a grandes profundidades. A base da cadeia trófica destes ecossistemas é um conjunto de bactérias que produzem energia a partir de sulfuretos de hidrogénio – compostos altamente tóxicos para a maioria dos seres vivos – libertados pelas chaminés hidrotermais (figura 2). Este foi o primeiro sistema vivo complexo baseado na quimiossíntese, em vez da fotossíntese, a ser reconhecido em águas profundas, em estreita ligação com um fenómeno geológico.

Figura 2:


Depois da descoberta das fontes hidrotermais a exploração de novas áreas do fundo do mar não pararam de surpreender os cientistas. Os hidratos de metano, os vulcões de lama, as chaminés carbonatadas e ecossistemas associados, os corais de água fria do Mar do Norte e os seres extremófilos, que vivem em ambientes com temperaturas superiores a 100º C e a pressões dezenas de vezes superiores às existentes à superfície, são alguns exemplos das linhas de investigação de ponta neste início de século. Ao mesmo tempo, cada vez mais se reconhece a interdependência dos processos oceanográficos, biológicos e geológicos. É cada vez maior a necessidade de realizar estudos multidisciplinares executados por equipas de cientistas provenientes de diferentes áreas do conhecimento. A resposta tem sido um grande esforço da comunidade internacional em constituir equipas de cientistas com o objectivo de estudar os ambientes oceânicos.

Figura 3: Alvin


Em consequência das limitações tecnológicas só agora começa a ser possível estudar com algum detalhe os sistemas marinhos profundos. O desenvolvimento recente de sistemas acústicos permite agora cartografar com elevado detalhe vastas áreas inexploradas do fundo marinho. A ideia paradigmática do século passado era a de que no oceano profundo, abaixo dos taludes e nas planícies abissais, os fenómenos oceanográfico, biológicos e geológicos eram relativamente pouco activos. Os novos dados, bem como um novo paradigma emergente no seio da comunidade científica, associado ao reconhecimento geral da existência de um défice de conhecimento dos processos activos a estas profundidades, permitem hoje pôr em causa o velho paradigma.


[1] Alvin é a forma contraída do nome do oceanógrafo Allyn C. Vine.

6 comentários:

kota disse...

Apesar de tecnicamente existirem dificuldades no estudo dos oceanos, eles nunca tiveram a atenção que merecem. Mesmo depois do aparecimento da teoria evolutiva, os oceanos foram sempre colocados à margem, não merecendo do meu ponto de vista o segundo plano em relação ao espaço. Principalmente quando ainda recentemente se descobriu a existência de viva em fontes sulfurosas junto aos Açores, coisa que até à bem pouco tempo se pensava impossível.
Andaremos nós à procura de respostas fora do planeta quando as temos perto de nós?
Espero que os oceanos venham a ter outro destaque num futuro próximo.

João Moedas Duarte disse...

É verdade! Anda-se à procura de explicações para a origem da vida lá em cima, mas é muito provável que a resposta esteja lá em baixo..

João Marcelo disse...

Agência Europeia de Segurança Marítima

João Marcelo disse...

Para quem não é da área (é importante lembrar), não me parece que nos últimos anos tenha havido pouca atenção aos oceanos: depois da Expo'98 e do desastre do Prestige (que, quer queiramos, quer não, colocou toda a gente a debater os oceanos, as rotas dos petroleiros, as fontes de poluição e os mecanismos para as combatermos), Portugal conta desde há quase um ano (14 de Setembro de 2006) com a Agência Europeia de Segurança Marítima sedeada em Lisboa.
Além da importância política de termos um (o único) organismo da UE com sede em Portugal, acho que não havia melhor cidade europeia para localizá-lo e mostra a preocupação concedida pela UE à protecção dos recursos marinhos.
Questão diferente é a sua exploração com fins científicos mas aí nada me parece mais natural: com tão elevados custos de investigação, esta só será feita quando houver interesses económicos suficientemente relevantes para a financiarem!
O que é que podemos encontrar hoje nos oceanos, além de petróleo e gás natural?

kota disse...

Uma das respostas talvez possa ser a origem da vida, não?
Independentemente da posição que cada um tenha em relação a essa origem, o facto de se apostar mais na investigação espacial leva-me a pensar que estamos a considerar termos origem extra-terrena.
Já parece ser aceite por toda a comunidade cientifica que a evolução aconteceu e teve origem na água. Infelizmente qualquer tipo de investigação que seja feita, custa dinheiro, e actualmente apenas interessa o que gera receita, pelo menos até à pouco tempo uma vez que a consciência das pessoas parece começar a despertar para os temas da ecologia, é um começo apesar de ter sido gerido como uma qualquer moda por alguns, outros apenas lhe dedicam algum interesse por terem implicações económicas.
Em jeito de resposta à questão colocada noutro post, nos oceanos existe apenas mais seres vivos por conhecer do que os existentes na terra.
Melhores tempos virão, espero.

Joaquim Moedas Duarte disse...

Li com muito interesse o texto sobre geologia Marinha. Vejo que terá continuação. Para os curiosos este poderá ser uma espécie de "curso de iniciação".
Bom trabalho!